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sábado, 23 de março de 2013

Cegueira de imagens


      É interessante observar a maneira com que Saramago vai tecendo seu conceito de cegueira em um livro em que todas as personagens (exceto a mulher do médico) estão cegas, o autor ocupa uma página inteira com um relato sobre imagens.
       Não são quaisquer imagens, são descritos quadros que fazem parte do canône das artes. Em determinado ponto do livro, quando todas as personagens já estão de 'quarentena' no manicômio, surge a ideia de cada um contar qual a última imagem que tiveram antes de cegar e um deles afirma que estava em um museu e no momento exato que a cegueira o atingiu estava ele observando UM quadro.
       O fato é que este quadro que ele descreve, não apenas mistura uma série de quadros 'famosos', como parece sugerir uma espécie de premonição dos fatos que estavam para acontecer com estas pessoas depois de cegarem.

Corvos sobre a seara (1890) , Vicent Van Gogh
Trancafiados em um manicômio, parecia que tal qual este quadro, eles estavam em um trilha a qual não sabiam onde os levaria e o céu sobre eles parecia escuro demais, indicando que o 'tempo' poderia piorar a qualquer momento, sentimento reforçado pela presença dos corvos, tidos como aves que indicam mau presságio.


Perro semihundido (1820), de Francisco de Goya

A transformação das personagens em animais, que aos poucos vão deixando-se guiar apenas pelos instintos e que da mesma maneira que o cão da pintura encontram-se 'enterradas' no manicômio em uma situação da qual não podem escapar, parecendo esperar apenas a morte chegar, quer por fome ou outras adversidades. 

A carroça de feno (1821), de John Constable

Contrastando com a situação em que os cegos se encontram a imagem desta pintura representa o avesso de tudo que eles encontrarão em sua passagem pela quarentena,  a calmaria e tranquilidade representadas aqui, são o contrário do que encontrarão lá.
A última ceia (1495-1497) ,de Leonardo da Vinci
Como os discípulos reunidos com Jesus, os cegos e a mulher do médico (salvadora), reunirão-se para comer, não sabendo que há um (vários) traidores entre eles. E que a a partilha do alimento levará a uma grande guerra.

Guernica (), de Pablo Picasso


E vemos o retrato da grande guerra, alguns mutilados ( fisica e psicologicamente), outros transpassados de dor e além um olho que vê (mulher do médico) , o único capaz de enxergar todos esses horrores. 


A alva Madona ( 1510), de Rafael Sanzio


Podemos interpretar aqui, que esta imagem retratada pelo cego representa a mulher de médico, que tomou para si a responsabilidade de cuidar como uma Madona, dos cegos que ali se encontravam.

A parábola dos cegos ( 1568), de Pieter Bruegel


Outra imagem citada ao longo do livro, representa bem a situação vivida pelas personagens do Ensaio sobre a cegueira, uma 'terra  de cegos' uns guiados pelos outros.

     
"Já erámos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos." Mulher de óculos escuros

"Tinham uma luz dentro da cabeça tão forte que os cegara" pg. 240 

terça-feira, 12 de março de 2013

Janela da alma, um olhar sobre a visão...


Neste documentário temos como tema a visão, mas o conceito de visão apresentado aqui é bem mais amplo que o sentido biológico utilizado rotineiramente. 
Vale apena conferir!

As (re)correntes analogias do olho


 Os olhos sempre foram tidos como símbolo de um certo poder, é através dos olhos que tudo pode ser apreendido, os antigos egpicios já o representavam dessa forma, sendo o olho de hórus simbolo de poder e amuleto de proteção. Os maçons o representam como sendo o olho de Deus ( o grande arquiteto). O oráculo grego era sempre cego.


  Saramago em seu Ensaio sobre a cegueira, fala de 'olhos que veem, não vendo', como também apresenta a personagem mulher do médico, como sendo aquela que 'tudo vê', seus olhos enxergam tudo o que acontece e é através deles que todas as outras personagens são guiadas.
  Segundo Bakhtin qualquer objeto pode tornar-se signo e o  signo ideológico pode 'apreender a realidade de um ponto de vista específico', podemos assim interpretar que os olhos que são objeto da narração Saramagueana, não apenas refletem sua função biológica de ver, mas refratam metaforicamente a ideia de conhecimento de determinada realidade social.
     

domingo, 10 de março de 2013

Uma visão nossa e de cada dia...


De acordo com o dicionário Aurélio o conceito de cegueira é: s.f. Privação da vista. / Fig. Distúrbio da razão; falta de discernimento: uma estranha cegueira. / Fig. Afeto extremo por alguém. Diante disto podemos utilizar a palavra cegueira para designar algo além de impedimentos ou limitações da visão.
O livro Ensaio sobre a cegueira de José Saramago é uma reflexão profunda e crua da sociedade na qual estamos inseridos, a narrativa trata de uma epidemia de cegueira branca que acomete a população de determinado país. E esta cegueira é de tal modo repentina que deixa surpreendidos os especialistas que em vão tentam buscar uma explicação para o fato.




A cegueira Saramagueana é uma metáfora da cegueira que nos acomete e que não necessariamente precisa afetar as córneas, pois é a cegueira daquele que ‘vendo não enxerga’.
De maneira parecida temos um conceito de visão mais  expandido no documentário Janela da Alma, dos diretores João Jardim e WalterCarvalho, que retrata o tema visão. Somos convidados a pensar a visão não apenas como o sentido que nos proporciona enxergar o mundo, mas como uma das portas de entrada para 'guiar-se' neste mundo. Nossos olhos são apenas mais um dos instrumentos da visão.


 Antoine Saint-Exupéry já dizia em seu Pequeno Príncipe que muitas vezes "Só se vê bem com o coração, as coisas essenciais são invisí­veis para os olhos". Fernando Pessoa através de seu heterônimo Alberto Caeiro nos diz que : "Pensar é estar doente dos olhos". Então precisamos estar atentos e não confiar sempre no que diz o nossos olhos, pois podemos estar cegos, vendo.

O que os olhos vêem ?

Comecemos com uma brincadeira...



Fixe no ponto preto no centro da imagem.




Agora, observe estas imagens.






Esta brincadeira é apenas uma proposta, para pensarmos como nossos olhos podem 'nos enganar'.